Ética e religião, prescindível?
Estou recomeçando a ler um livro intitulado “Ética
Prática” (Ética Prática, Peter Singer – 3º Ed. – São Paulo: Martins Fontes,
2002) pelo menos pela quinta vez (sim eu sou daquelas que começa a ler e nunca
termina) e o primeiro capítulo do livro aborda o que, para o autor, não vem a
ser ética. O terceiro tópico da discussão fala sobre ética “não ser algo
inteligível somente no contexto da religião”.
A minha intenção não será me aprofundar demais
nisso, até por que seria necessário escrever um livro inteiro apenas para
começar a abordar esse tema. Gostaria apenas de fazer algumas considerações a
partir do que foi citado pelo autor.
Ele cita que a ideia tradicional que faz ligação
entre a religião e a ética está relacionada ao fato de se pensar que a religião
oferecia uma razão para fazer o que é certo: a compensação dos virtuosos com a
eternidade de bem-aventurança e a condenação dos demais para queimar no
inferno.
Esse comportamento pode ser observado desde a Idade
Média quando a Igreja cobrava do povo as indulgências que lhes garantiam um
lugar no céu. Logo, as pessoas faziam de tudo o que estava ao seu alcance para
aumentar seu galardão e se certificarem que não iriam para o inferno. Foi esse
mesmo tipo de motivação, somado a sede de poder, que levou muita gente, ainda
nesse período, a sustentar guerras e assassinar pessoas “em nome de Deus”- falo
do que viria a ser as Cruzadas. Atualmente, frases de efeito como “Pare de
sofrer, você não nasceu para isso” ou “Cobre de Deus aquilo que é seu por
direito” podem ser repetidamente ouvidas em púlpitos que pregam a disseminada Teologia
da Prosperidade. Nela, você é direcionado a aceitar Jesus por que depois disso
todo sofrimento acabará e todos os seus negócios serão prósperos, afinal, agora
você é filho de Deus e não há espaço para menos do que isso.
O que citei até aqui são fatos extremamente
conhecidos na mídia e nos livros de história que exemplificam o que vem a ser
as motivações oferecidas pela religião tradicional. Mas essa não deve ser
encarada como a única versão dos fatos. Durante algum tempo condenei fielmente
pessoas que impulsionadas por motivações erradas conseguiam colocar todo um
ideal a perder, levando a passar conceitos totalmente deturpados da essência daquilo
que elas diziam acreditar.
Foi quando parei para reparar em outros tipos de
ideais os quais as pessoas estão dispostas a defender. Comecei a me interessar
por textos políticos. Discussões homéricas giram em torno desse assunto, mas de
maneira simplificada a relação que fiz durante esse tempo foi que, apesar de
toda corrupção e bandidagem que rola nesse meio, eu não posso taxar todos os
políticos de ladrões e condenar toda forma de se fazer política por que a
maioria é idiota. Sim, idiota. Assim como, perdoem-me amigos pastores, os campeões
de audiência nos noticiários são as blasfêmias ditas e atrocidades cometidas
por boa parte dessa classe. Eu não vou entrar nesse mérito, as pessoas dizem
para nunca discutir sobre política, religião e mulheres. Quem sabe no próximo
post eu não fale sobre a marcha das vadias?
Eu deixei de querer condenar o todo por que a
maioria pode não prestar. Nem todos os pensadores religiosos agiram dessa
forma. Immanuel Kant, conhecido filósofo cristão, zombava de tudo que lhe
cheirasse a obediência a um código moral por interesse próprio. Devemos
obedecer-lhe, dizia Kant, por seus próprios méritos e não precisamos ser
kantianos para rejeitar as motivações da religião tradicional.
Por esse motivo, concordo com Singer quando ele
fala “o comportamento ético não exige crença no céu e no inferno”. No final, não
precisa ser um gênio para ser chegar a essa conclusão.
Platão discutiu ainda no século V a.C. que algo é
bom e por isso Deus aprova e não é o fato de Deus aprovar que torna alguma
atitude boa. Sem querer discutir os fundamentos desse argumento, mas apenas
pegando esse gancho, o que eu quero dizer é: se ser ético for fazer o que é bom,
então procure isso. Nesse contexto consequencialista, determinar o conceito do
que é bom pode estar diretamente ligado a sua crença religiosa. Para um cristão,
a aprovação de Deus é algo que os motiva e sendo assim, a aprovação divina deve
ser a motivação e a consequência de uma atitude.
Não se deve resolver acreditar em Deus por medo da
morte, para arrumar um namorado ou por achar que isso o fará melhorar de vida.
Doce ilusão. Se acreditar em Deus fosse isso eu conheço muita gente que já
estaria casada e com uma cobertura em Miami.
Cristão ou não cristão, na existência ou não de deuses,
com ou sem inferno, agir de maneira ética é em primeiro lugar colocar o egoísmo
de lado e pensar além de si mesmo, levando em consideração questões que vão
além de você, do céu e do inferno.