Fenômeno azul
Foto: Juliana Seravalli |
No dia em que
pela segunda vez no mesmo mês era possível vê-la grande, plena, completamente
preenchida. De um lado a luz que a faz visível se ia, deixando seus
últimos raios de core quentes se encontrarem com vento que soprava gelado vindo
do outro lado. Era um céu infinitamente estrelado, daquela beleza que só podia
ser vista assim, em momentos raros de despretensão e despreocupação com o que
mais haveria de ser e vir.
No impulso de
chegar a algum lugar o motor já quase falho faria um barulho engasgado na
tentativa de conter as vozes desafinadas que ecoavam no meio da serra. O frio
na espinha, a garganta rasgando, gritos de liberdade. A vida é um clichê.
Quantos
momentos como esse já não foram vividos, revividos e vividos novamente por uma,
duas, três milhões de trilhões de pessoas? Divertido clichê.
O barulho do
motor continuava tentando manter a harmonia da serra. Doce ilusão. Quem poderia
dizer que aquilo também não era harmonia?
Pode ser e é,
como expectadora de experiências alheias e também alheia a tudo que acontecia
ao seu redor.
Pipoca,
limões, chicletes, mostarda, batom, cigarros, mochila, câmera, vermelho,
marrom, azul e cinza.
Canta, dança,
pula, senta, beija, anda, volta, levanta, grita, cansa, enjoa, briga, ri, anima
e senta de novo.
Pipoca,
limões, chicletes, mostarda, batom, cigarros, mochila, câmera, vermelho,
marrom, azul e cinza.
Canta, dança,
pula, senta, beija, anda, volta, levanta, grita, cansa, enjoa, briga, ri, anima
e senta de novo.
Expectadora.
Expectadora
contente. Imersa em mundos paralelos de sensações epidêmicas dentro dos seus
eus. Aqui não me atrevo, inútil é tentar descrever.
Embalados
pela velocidade ilusória de perigo o vento antes gelado agora criava um efeito
cortante na pele entorpecendo cada poro do corpo com um frio tão intenso que se
sentia as pontas dos dedos queimando. A maçã do rosto ardia, parecia boa aquela
sensação. No auge da madrugada do fenômeno azul, era então possível vê-la lá no
alto, distante em sua imensidão serena, fria e iluminada.
Tamanho era o
espetáculo particular que ganhariam naqueles instantes. Olhar para trás era
como se sentir em um filme de suspense, olhar para frente era ser invadida pelo
aconchego da pitangueira. Olhar para trás era transcender, olhar para frente
era se prender em uma eterna cena de carinho. Olhar para os lados era sentir
Deus, olhar para si mesmo era encontrar um abismo.
Seguia
brilhosa, rodeada de veludos brancos como o véu de um vestido deslumbrante que
arranca lágrimas dos olhos. Solitária na sua beleza, mas rodeada de admiradores
era singular em sua exuberância.
Fechando
olhos e guardando as imagens daquele dia completamente improvisado. Ainda
sentia o vento em seu rosto, mas o sono vinha se aproximando. Então escureceu
de vez, era madrugada na serra.