terça-feira, 27 de novembro de 2012



Fenômeno azul

Foto: Juliana Seravalli
No dia em que pela segunda vez no mesmo mês era possível vê-la grande, plena, completamente preenchida.  De um lado a luz que a faz visível se ia, deixando seus últimos raios de core quentes se encontrarem com vento que soprava gelado vindo do outro lado. Era um céu infinitamente estrelado, daquela beleza que só podia ser vista assim, em momentos raros de despretensão e despreocupação com o que mais haveria de ser e vir.
No impulso de chegar a algum lugar o motor já quase falho faria um barulho engasgado na tentativa de conter as vozes desafinadas que ecoavam no meio da serra. O frio na espinha, a garganta rasgando, gritos de liberdade. A vida é um clichê.
Quantos momentos como esse já não foram vividos, revividos e vividos novamente por uma, duas, três milhões de trilhões de pessoas? Divertido clichê.
O barulho do motor continuava tentando manter a harmonia da serra. Doce ilusão. Quem poderia dizer que aquilo também não era harmonia?
Pode ser e é, como expectadora de experiências alheias e também alheia a tudo que acontecia ao seu redor.
Pipoca, limões, chicletes, mostarda, batom, cigarros, mochila, câmera, vermelho, marrom, azul e cinza.
Canta, dança, pula, senta, beija, anda, volta, levanta, grita, cansa, enjoa, briga, ri, anima e senta de novo.
Pipoca, limões, chicletes, mostarda, batom, cigarros, mochila, câmera, vermelho, marrom, azul e cinza.
Canta, dança, pula, senta, beija, anda, volta, levanta, grita, cansa, enjoa, briga, ri, anima e senta de novo.
Expectadora. 
Expectadora contente. Imersa em mundos paralelos de sensações epidêmicas dentro dos seus eus. Aqui não me atrevo, inútil é tentar descrever.
Embalados pela velocidade ilusória de perigo o vento antes gelado agora criava um efeito cortante na pele entorpecendo cada poro do corpo com um frio tão intenso que se sentia as pontas dos dedos queimando. A maçã do rosto ardia, parecia boa aquela sensação. No auge da madrugada do fenômeno azul, era então possível vê-la lá no alto, distante em sua imensidão serena, fria e iluminada.
Tamanho era o espetáculo particular que ganhariam naqueles instantes. Olhar para trás era como se sentir em um filme de suspense, olhar para frente era ser invadida pelo aconchego da pitangueira. Olhar para trás era transcender, olhar para frente era se prender em uma eterna cena de carinho. Olhar para os lados era sentir Deus, olhar para si mesmo era encontrar um abismo.
Seguia brilhosa, rodeada de veludos brancos como o véu de um vestido deslumbrante que arranca lágrimas dos olhos. Solitária na sua beleza, mas rodeada de admiradores era singular em sua exuberância.
Fechando olhos e guardando as imagens daquele dia completamente improvisado. Ainda sentia o vento em seu rosto, mas o sono vinha se aproximando. Então escureceu de vez, era madrugada na serra.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Clinomania

Foto: Juliana Seravalli
Fecha os olhos e sente o vendaval chegando com toda força que possa existir. Sente o vento bater nas tuas têmporas e descolar dos ossos a pele que te cobre. Consegue então descolar a alma do corpo e te enxerga do alto na tua maneira de ser, na tua maneira de andar, na tua maneira de respirar.

Escuta o zumbido do silêncio te contando uma história. Não da menina que cruza a rua despretensiosa com a vida ou do rapaz que carrega uma mala na mão e tu te perguntas o que ele fará com ela. Escuta a tua história, finalmente.

Como um observador distante que tenta narrar um conto, narra o teu para ti mesmo. Consente à tua alma te enxergar de longe e te entender de perto. 

Deixa o vento do vendaval criar um tornado e permita que os giros te levem ao centro da agonia e depois te arremesse para longe.

Permita, o relógio não para de bater.